Mancala (do árabe naqaala - "mover") é na verdade a denominação genérica de aproximadamente 200 jogos diferentes. Originário da África.
Mancala (do árabe naqaala - "mover") é uma denominação genérica de aproximadamente 200 jogos diferentes. Originário da África, onde teria surgido por volta do ano 2 000 a.C. (para alguns o jogo tem mais de 7 000 anos), é considerado por muitos como o jogo mais antigo do mundo, porém, não há registros de sua origem. Alguns pesquisadores dizem que o jogo surgiu em Kemet (Antigo Egito) entre 3 500 a 4 000 anos, e outros dizem que surgiu na Etiópia.
Tem grande importância em muitas sociedades africanas e asiáticas, e sua função é comparável à do xadrez nos países ocidentais. Por isso, erroneamente, Mancala é conhecido como xadrez africano. Na verdade, por ser muito mais antigo, podemos afirmar que o xadrez é o Mancala europeu.
Mancalas já foram encontrados em África no Egito, Gana, Etiópia, Eritreia, Sudão, Gâmbia, Senegal, Benin, Costa do Marfim, Nigéria, Argélia, Burkina Faso, entre outros lugares. Geralmente, em cada país, possui um nome e um modelo diferente.
As mancalas são jogos executados em tabuleiros de madeira, geralmente muito ornamentados, têm duas filas de casas côncavas para cada lado de cada jogador. Nas bases das sequências de casas temos duas cavidades maiores que servem de depósito das peças capturadas durante o jogo por cada jogador. As mancalas mais conhecidas têm duas fileiras paralelas de seis casas e são atribuídas a cada casa quatro peças ou quatro sementes para o funcionamento do jogo (CUNHA JÚNIOR, 2016, p. 9).
Independente do modelo, os jogos da família Mancala possuem raízes filosóficas bem profundas, conforme Pereira (2016, p. 114), “como a circularidade, ancestralidade, oralidade, tradição, cosmovisão e filosofia de matriz africana”. O objetivo é capturar mais sementes que o adversário. Às vezes, se vence bloqueando todos os movimentos do oponente. Os movimentos das peças são no sentido de semeadura e colheita, que de acordo com Pereira (2016), semear para colher é o princípio fundamental da troca, da prática ancestral africana.
[...] a cosmovisão africana está num modo de organização social pautado em práticas culturais que promovem a alteridade voltada para o bem-estar social e para o respeito às diferenças. Neste sentido, encontramos na prática do jogo valores sociais que são significativos para as sociedades africanas presentes na cosmovisão africana como compartilhar e a generosidade (PEREIRA, 2016, p. 118).
Apesar de competitivo, é um jogo cooperativo, pois não permite que a pessoa adversária fique sem nenhuma semente. Caso acabe as sementes de seu oponente, você precisa compartilhar as suas sementes para que a pessoa continue no jogo.
Os movimentos circulares do jogo revelam que a circularidade é presente na cosmovisão africana, e de acordo com Henrique Cunha Júnior, o pensamento africano leva-nos a entender que existe uma força fundamental, que é a ancestralidade, que nos leva ao pensamento circular repetitivo que nunca passa exatamente pelo mesmo lugar, ou seja, a herança cultural é recebida, reelaborada e expandida continuadamente.
Também a circularidade está presente na arquitetura e urbanismo de diversos povos nos países africanos, assim como vemos a circularidade no Calendário de Adão (o primeiro calendário do mundo) e nas ruínas do Grande Zimbábue (patrimônio histórico da UNESCO), proveniente do Reino do Zimbábue, um rico e importante centro comercial na chamada Idade Média (fenômeno que só ocorreu na Europa, pois em África floresceram diversos reinos e impérios nessa época) entre os séculos 11 e 15. O Grande Zimbábue fazia parte de uma grande e rica rede de comércio global. Arqueólogos encontraram cerâmica e vidro da China e da Pérsia, bem como ouro e moedas árabes. A elite controlava o comércio ao longo da costa leste da África.
Reino do Grande Zimbábue |
No Brasil, a circularidade está presente nas culturas afro-brasileiras, como na roda de capoeira, roda de samba, nas artes e na religião de matriz africana. Vale lembrar que a Matemática e a Geometria estão presentes nos diversos componentes da circularidade africana.
Entre os diversos nomes recebidos pela família de jogos Mancala, temos: Oware (Gana), Adi (Benin, antigo Daomé), Ouri (Cabo Verde), Andot (Sudão), Wari (Gâmbia e Senegal), Wari I (Sudão e Haiti), Kalah (Argélia), Ayó (Nigéria), Aware (Burkina Faso), Awelé (Costa do Marfim), Baulé (Costa do Marfim, Filipinas e Ilhas Sonda), Awari (Suriname), Bao (Zanzibar, Namíbia e Madagascar), Ntxuva (Moçambique).
Há toda uma tradição para se jogar Mancala, possuindo diversas histórias, miotologias e lendas. Geralmente é jogado com sementes de baobá, uma árvore de extrema importância, cultura e ancestralidade para os povos africanos. É praticado em locais abertos e durante o dia, pois a noite é reservada para as atividades dos espíritos ancestrais. Também, a prática do jogo é realizada em momentos importantes, como festividades, cerimônias, rituais, funerais, casamentos, iniciação de meninas e meninos, escolha de um chefe da comunidade, invocar a chuva e celebrar uma colheita.
Muitos locais são ornamentados com tecidos sob o tabuleiro, por possuírem uma grande relevância cultural. Os tecidos representam sabedorias, rituais e significados por meio de símbolos, cores e sistemas de códigos. Também possuem diversos elementos matemáticos e geométricos, entre eles os tecidos Kente e os Adinkra, ambos de Gana, na África Ocidental.
Conheça as regras (com ilustrações) do Mancala no site do Museu de Arte Sacra de SP.
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Matemática nos jogos de Mancala
“A ludicidade é o gosto pela diversão, pela vida, pela alegria. Uma de suas variadas utilidades é o aprendizado, o lúdico. Também serve para transmitir as conquistas da sociedade em diversos campos do conhecimento.” Este trecho, retirado do artigo A afirmação dos valores civilizatórios afro-brasileiros na formação da criança negra, nos mostra a importância da ludicidade para as pessoas, assim como mostra que os jogos praticados em África vão muito além da diversão, pois são patrimônios culturais das sociedades africanas.
Nos jogos, podemos nos aprofundar nos valores civilizatórios africanos e afro-brasileiros, que são constituídos por: circularidade, oralidade, corporeidade, ludicidade, musicalidade, cooperatividade / comunitarismo, memória, religiosidade e ancestralidade.
A prática dos jogos de Mancala é relacionada com a filosofia e cosmovisão africana, que valoriza a cooperação, o respeito ao próximo, o autocontrole, o planejamento e o trabalho em equipe. Essa filosofia é transmitida de geração em geração por meio da oralidade, um rico patrimônio cultural das sociedades africanas.
Nos jogos de Mancala, a oralidade também pode ser utilizada para praticar os diversos elementos matemáticos, como adição, subtração, multiplicação, divisão, progressão aritmética (PA), porcentagem, probabilidade, raciocínio lógico, estimativa entre outros.
Efetuando cálculos mentais, a adição e subtração são realizadas a todo momento. A cada semente capturada do adversário e a cada vez em que coloca-se uma semente no depósito, são feitos os cálculos de adição, inclusive quando termina o jogo para saber o total de sementes. Na subtração, podemos descobrir a diferença entre cada jogador(a), sabendo quantas sementes uma pessoa pegou a mais que a outra. Também, de acordo com o número de sementes que temos capturadas, podemos saber quantas sementes faltam para ganhar o jogo, já que o número mínimo de sementes para vencer é 25 (Resultado de uma divisão. Se temos 48 sementes no jogo, preciso ter no mínimo 25 sementes para vencer: 48 : 2 = 24, e para vencer, 24 + 1 = 25). Utilizando a multiplicação, podemos calcular a quantidade de sementes iniciais em cada casa (4) pela quantidade de casas (12), efetuando 12 x 4 = 48 sementes. Na divisão, fazemos o contrário para saber quantas sementes preciso colocar em cada casa, sendo 48 : 12 = 4 sementes.
Podemos utilizar a probabilidade, ou seja, as possibilidades em capturar as sementes da pessoa adversária, assim como a porcentagem em algumas ocasiões. Qual a porcentagem mínima de sementes preciso para vencer o jogo? Se preciso de 25 sementes para vencer (num total de 48 sementes), então, com a fração 25/48 descubro a porcentagem: 25 : 48 = 0,555... que multiplicando por 100, temos aproximadamente 55,5%. Se tenho 12 sementes, qual a porcentagem de sementes que tenho? 12/48 = 12 : 48 = 0,25, resultando 25%.
Em Progressão Aritmética (PA), podemos calcular o número total de sementes ou o número de sementes em determinada casa, sempre no início do jogo. A cada casa aumentamos 4 sementes, então, a razão da progressão é igual a 4. Utilizando a fórmula da PA, temos: a1 (sementes da 1ª casa) = 4; n (número de casas) = 12; r (razão) = 4.
Fórmula da PA: an = a1 + (n – 1).r
an = 4 + (12 – 1) . 4
an = 4 + 11 . 4
an = 4 + 44
an = 48
Podemos também calcular os múltiplos do número quatro: M(4) = 0, 4, 8, 12, 16, ...; realizando cálculos com a tabuada do 4 ou somando as casas de 4 em 4 sementes.
Referências
PEREIRA, Rinaldo Pervidor; JUNIOR, Henrique Cunha. Mancala: o jogo africano no ensino da Matemática. Curitiba: Appris, 2016.
São Paulo (SP). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria dos Centros Educacionais Unificados. Mancala Awelé. São Paulo: SME / COCEU, 2020. (Coleção Jogos de Tabuleiro, v. 3).
Artigo: A afirmação dos valores civilizatórios afrobrasileiros na formação da criança negra. Érica Monale da Silva Gomes, Paula Paulino da Silva, Suzana dos Santos Cirilo, Ivonildes da Silva Fonseca.
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