A biografia de Malba Tahan, autor de diversos livros (principalmente com enredos na cultura árabe), prova a sua grandiosa criatividade. Desculpe, sua não, e sim a grandiosa criatividade de Júlio César de Mello e Souza, o verdadeiro autor de todas as suas obras. Apesar de não parecer, o professor, educador, pedagogo, escritor e conferencista Júlio César foi brasileiro, e Malba Tahan, seu pseudônimo.
Ali Iezid Izz-Edim Ibn Salim Hank Malba Tahan, ou simplesmente Malba Tahan, nasceu em 1885 na aldeia de Muzalit, Península Arábica, próximo a cidade de Meca, um dos lugares santos da religião muçulmana, o islamismo. A convite do emir Abd el-Azziz bem Ibrahim, assumiu o cargo de queimaçã (prefeito) da cidade árabe de El-Medina. Estudou no Cairo e em Constantinopla, e aos 27 anos, recebeu grande herança do pai e iniciou uma longa viagem pelo Japão, Rússia e Índia. Morreu em 1921, lutando no deserto pela libertação de sua tribo.
A biografia de Malba Tahan, autor de diversos livros (principalmente com enredos na cultura árabe), prova a sua grandiosa criatividade. Desculpe, sua não, e sim a grandiosa criatividade de Júlio César de Mello e Souza, o verdadeiro autor de todas as suas obras. Apesar de não parecer, o professor, educador, pedagogo, escritor e conferencista Júlio César foi brasileiro, e Malba Tahan, seu pseudônimo. Areias do deserto? Não. As areias mais quentes conhecidas por Júlio César foram as areias das praias do Rio de Janeiro. Júlio nunca conheceu nenhum país da cultura árabe (fora do Brasil, visitou somente Argentina, Portugal e Espanha), mas estudou toda essa cultura por 7 anos, de 1918 a 1925. E foi com a cultura árabe que o professor conquistou o Brasil e seu personagem Malba Tahan deu origem a nomes de escolas, bibliotecas, rua, e até nome de pessoas.
Júlio César de Mello e Souza nasceu no Rio de Janeiro em 6 de maio de 1895, mas foi criado na cidade de Queluz, interior de São Paulo. Filho de professores, teve 8 irmãos e uma infância pobre. Ainda criança, já pensava em alternativas para ganhar dinheiro ou comprar suas coisas. Para comprar uma barra de chocolate, economizava na condução durante o final de semana. Na escola, como redigia com facilidade, um dia fez uma redação para um colega de classe, no qual ganhou um selo do Chile e uma nova pena de escrever. Com isso, teve a grande ideia de vender suas redações a cada tema lançado pelo professor, em que ele fazia cerca de 5 redações e vendia por 400 réis cada uma. Ainda no colegial, fundou o Erre, seu próprio jornal, manuscrito, com tiragem limitada de um único exemplar. No livro Meninos de Queluz (ganhou o Prêmio Joaquim Nabuco pela Academia Brasileira de Letras em 1948), em que lembra a sua infância e a de Júlio César, seu irmão João Baptista de Mello e Souza diz que Júlio criava personagens em excesso, muitos dos quais não tinham nenhum papel a desempenhar, dando-lhes nomes absurdos, como Mardukbarian, Protocholóski, Orônsio, entre outros.
Começou a trabalhar bem jovem, como servente e depois auxiliar interino na Biblioteca Nacional. Apesar do desejo de seu pai em seguir a carreira militar, fez Engenharia mas nunca seguiu a carreira, e sim seguiu a carreira de professor por mais de 60 anos. Começou a lecionar aos 18 anos, em escolas particulares, oficiais e profissionais, chegando ao magistério universitário. Também cursou a Escola de Dramartugia, e foi colega de turma de Procópio Ferreira.
Apesar de seguir a carreira de professor, assim como grandes gênios, Júlio César não era bom aluno, principalmente em Matemática. Dizia que não gostava da didática da época, com cansativas exposições orais no qual classificava como “detestável método de salivação”. Dizia também que “O professor de Matemática em geral é um sádico... Ele sente prazer em complicar tudo”. Antes de lecionar Matemática, foi professor de História, Geografia e Física. Mas foi a Matemática que lhe rendeu os maiores frutos de sua carreira. Inimigo do método tradicional de ensino, defendeu o uso de jogos nas aulas de Matemática (visto como uma heresia na época), e, enquanto outros professores usavam apenas o quadro-negro e a linguagem oral, ele recorria à manipulação de objetos. Defendia a instalação de laboratórios de Matemática em todas as escolas, suas aulas eram movimentadas e divertidas, e com seu carisma, encantava os alunos. Mas os tradicionalistas não gostavam de sua informalidade e seu interesse pelo cotidiano da Matemática. Seu jeito irreverente de lecionar e seus excelentes livros lhe renderam mais de 2000 palestras ao longo de sua vida.
Sua carreira como escritor começou quando ele tinha 23 anos e era colaborador do jornal carioca O Imparcial, quando entregou a um editor cinco contos que escrevera. Os contos ficaram jogados por vários dias sobre uma mesa na redação. Júlio César, sem fazer nenhum comentário, pegou de volta os trabalhos e no dia seguinte, entregou os mesmos contos mas com outra autoria. Em vez de J.C. de Mello e Souza, assinava R.S. Slade, um fictício escritor americano. Entregou os contos novamente ao editor, dizendo que acabara de traduzí-los e que faziam grande sucesso em Nova York. O primeiro deles, A Vingança do Judeu, foi publicado no dia seguinte e na primeira página, sendo os outros quatro publicados em seguida e com o mesmo destaque. “Aí eu descobri que era preciso mistificar”, disse ele. Com esse episódio, resolveu criar o personagem Malba Tahan, pois achou que um escritor brasileiro não faria sucesso assinando contos orientais com seu verdadeiro nome. Com isso, mergulhou nos estudos sobre a cultura e a língua árabe nos sete anos seguintes. Malba Tahan, em árabe, significa “Moleiro de Malba”. Malba é um oásis e Tanhan significa “moleiro”, "aquele que prepara o trigo”. Esse sobrenome foi inspirado em sua aluna Maria Zechsuk Tahan. Por deferência de Getúlio Vargas, Júlio César pôde usar o pseudônimo em sua carteira de identidade. Ele vistava os trabalhos escolares carimbando Malba Tahan escrito em caracteres árabes.
Identidade de Júlio César com o pseudônimo Malba Tahan |
Malba Tahan e Júlio César produziram 69 livros de contos e 51 de Matemática, com milhões de exemplares vendidos. Sua obra mais famosa, o Homem que Calculava, tem mais de 60 edições e já foi traduzido para o inglês, espanhol, italiano, alemão e francês. Neste livro, Malba Tahan relata as incríveis aventuras de Beremiz Samir (o Homem que Calculava) e suas soluções fantásticas para problemas aparentemente insolúveis. Essas dezenas de problemas relatados no livro tornaram-se famosos, sendo utilizados por professores de Matemática em suas aulas e fazendo o livro virar até peça teatral. Como suas obras eram propostas com problemas matemáticos com o mesmo encanto dos contos das Mil e Uma Noites, esse foi justamente o título de sua primeira obra conhecida. Em 1925, Júlio César procurou o dono do jornal carioca A Noite, Irineu Marinho, fundador da empresa que se tornaria as atuais Organizações Globo, dizendo que queria surpreender o Brasil com uma mistificação literária. Marinho leu alguns de seus contos e gostou da ideia, então os Contos das Mil e Uma Noites foi o primeiro de uma série de escritos de Malba Tahan para o jornal, e na primeira página. Além do autor fictício, os livros de Júlio César também tinha o tradutor fictício Breno Aguiar Bianco.
Segue abaixo algumas obras de Malba Tahan:
- O Homem que Calculava: É o maior sucesso editorial e o mais feliz encontro das habilidades do escritor: contar histórias e propor charadas matemáticas;
- A Sombra do Arco-Íris: Considerado por Malba Tahan a sua melhor obra. Trata-se de um romance entremeado por uma coletânea do que ele considerava o melhor da poesia nacional;
- O Escândalo da Geometria: É um livro didático, por isso assinado como Mello e Souza. Mais tarde, até as obras sobre Matemática passaram a ser assinadas como Malba Tahan;
- IAZUL – Contos e Lendas Orientais: Com o mais típico da cultura árabe, a coletânea Iazul traz enigmas e adivinhações;
- O Jogo do Bicho à Luz da Matemática: Nele, o autor avalia modelos matemáticos e as chances de vitória no Jogo do Bicho;
- As Maravilhas da Matemática: Em suas obras paradidáticas, utilizava o lúdico na educação. Ele coletava curiosidades no estilo dos almanaques, assim como nesse livro e em outro bem conhecido, chamado Matemática Divertida e Curiosa;
- Al Karismi: Uma revista que trazia curiosidades, como os nomes das mulheres matemáticas mais importantes. Nela, o autor respondia às cartas e consultas dos seus leitores;
- Belezas e Maravilhas do Céu: Malba Tahan também mostrou que a Matemática está no movimento celeste. O livro analisa fenômenos da Astronomia, como a passagem dos cometas.
Outras obras de Malba Tahan podem ser vistas no site que leva seu nome, no link Bibliografia. Nesse site, com o nome de Malba Tahan você encontra, além de parte de sua bibliografia, alguns artigos com a vida e obra do professor, fotos pessoais e profissionais, documentos, entre outros.
Júlio César com seu livro favorito, A Sombra do Arco-Íris |
Júlio César casou-se com uma de suas ex-alunas e teve 3 filhos. Gostava de ler histórias policiais e de contar histórias, e se divertia com o jogo de “brigde” e o jogo do bicho. Fazia a barba e cortava os cabelos diariamente, e dispunha sempre de tempo para auxiliar as vítimas de hanseníase, tanto que sua esposa dizia que ele conhecia mais doentes desses que gente sadia. Geralmente, acordava as 4 horas da madrugada e andava descalço pela casa, procurando inspiração. Sua mesa de trabalho era tomada por dicionários, cartas, livros, artigos ou capítulos incompletos e papéis em branco. Muitas vezes, dormia junto ao livro ou enciclopédia que estava lendo.
Atualmente, é comum ouvirmos falar em Interdisciplinaridade, Multidisciplinaridade, História da Matemática, Etnomatemática, Didática da Matemática, Jogos Matemáticos, Lúdico na Matemática, entre diversos outros temas que visam facilitar o processo de ensino/aprendizagem em Matemática, mas infelizmente não ouvimos falar do precursor de todos esses temas, o professor Júlio César de Mello e Souza. Além de seu jeito diferente e envolvente de ensinar, suas obras primorosas inovaram o ensino da Matemática, com temas vibrantes e envolventes, surpreendendo a cada obra com uma fonte inesgotável de criatividade, um verdadeiro tesouro de temas e personagens, fazendo o autor ser reconhecido e admirado internacionalmente. Era um verdadeiro mestre na arte de contar histórias e ensinar Matemática, inclusive sendo chamado pelo site internacional BBC, num artigo escrito por um autor britânico como “Pelé dos números”.
Júlio César de Mello e Souza faleceu no dia 18 de junho de 1974, em Recife (PE), após uma conferência sobre a “Arte de contar histórias”, a convite da Secretaria de Educação e Cultura da cidade. Também iria falar sobre “Jogos e Recreações no ensino da Matemática” no Colégio Soares Dutra, quando houve a grande surpresa de sua morte às 5h30 no Hotel Boa Viagem, onde estava hospedado com a esposa. Aos 79 anos de idade, morreu de edema pulmonar agudo e trombose coronária, e seu corpo foi transladado para o Rio de Janeiro, onde foi sepultado. Deixou instruções para o seu enterro e não queria que adotassem o luto em sua homenagem. Citando o compositor Noel Rosa, explicou o motivo: “Roupa preta é vaidade / para quem se veste a rigor / o meu luto é a saudade / e a saudade não tem cor”. Nos jornais, a notícia de sua morte foi acompanhada pela publicação de uma nota de sua autoria, redigida anos antes: “Malba Tahan morreu e pede a todos perdão pelas faltas, erros, ingratidões e injustiças. Pede, também, que rezem por ele”.
Em sua homenagem, atualmente é comemorado no Brasil o Dia da Matemática no dia 06 de maio, data de seu nascimento. A muito tempo essa data era comemorada informalmente pela Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), e oficialmente em alguns estados brasileiros, como no Rio de Janeiro, desde 1994 em razão da lei nº 2501. A nível nacional, foi apresentado um projeto no dia 05 de maio de 2004 pela deputada Raquel Teixeira para instituir o Dia da Matemática. O objetivo era que o Ministério da Educação e Cultura incentivasse atividades culturais e educativas nessa data, além de um momento de reflexão sobre a Educação Matemática, incentivando os professores e estudantes a cultivar a cultura e o saber. Somente em 26 de junho de 2013 a Presidente da República, Dilma Rousseff, sancionou a lei nº 12.835, que instituiu, oficialmente, o Dia Nacional da Matemática, que deve ser comemorado anualmente em todo o território nacional.
Nota do autor:
Sempre prestigiei o trabalho do autor e conferencista Júlio César de Mello e Souza, no qual conheci na Universidade quando estudava Matemática através da leitura do livro O Homem que Calculava. Resultado desse encantamento foi despertado o interesse no lado “lúdico” da Matemática, e também o sonho de escrever livros semelhantes, mas, ainda, não tive tempo, coragem e oportunidade.
Ao longo de minha caminhada profissional, sempre procurei lecionar em consonância ao estilo desse grande professor, enaltecendo a História da Matemática, mostrando aos alunos a importância e suas aplicações em nosso cotidiano, bem como jogos, agrupamentos produtivos e lembrando que o processo de ensino/aprendizagem da Matemática não são apenas cálculos.
Em alguns momentos construí com os alunos peças de teatro e outras atividades lúdicas referentes aos temas de História da Matemática, que em princípio não entenderam a proposta; sabe-se que ainda há grande relutância tanto de nosso sistema de ensino quanto da sociedade em aceitar novas propostas de ensino. Essa é uma luta diária, e aos poucos, vamos tentando desmistificar que Matemática não são apenas cálculos, e sim uma necessidade social.
Excelente artigo!
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